Resenha Crítica sobre a Matéria do Jornal Valor Econômico: “Entidades querem fatiar a reforma do atual Código Civil
A matéria publicada pelo jornal Valor Econômico, edição de 22 de junho de 2025, destaca com propriedade a preocupação de entidades representativas do meio jurídico acerca do Projeto de Lei n.º 4, de 2025, que pretende reformar profundamente o Código Civil brasileiro, com a alteração de mais de 1.200 dispositivos legais. O alerta feito pelas entidades é pertinente, oportuno e deve ser amplificado: trata-se de uma iniciativa legislativa de altíssimo impacto, que exige ampla reflexão, debate técnico qualificado e, sobretudo, cautela.
Como advogado na área de sucessões e contratos, não posso deixar de registrar a complexidade e sensibilidade que envolve a tarefa de reformar um diploma legal que estrutura as relações humanas desde antes do nascimento — com normas sobre direitos do nascituro — até o pós-morte — como no regramento da sucessão e da herança. O Código Civil é, sem dúvida, a espinha dorsal do direito privado brasileiro, sendo, portanto, peça fundamental na estabilidade e previsibilidade das relações jurídicas.
A proposta de “fatiamento” da reforma, defendida por juristas e entidades como o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), parece ser não apenas sensata, mas necessária. Tentar alterar em bloco mais de mil dispositivos, abrangendo temas tão sensíveis quanto filiação, regime de bens, sucessão, contratos, responsabilidade civil e capacidade jurídica, em um único projeto de lei, é uma tentativa legislativa temerária, com risco de graves efeitos colaterais.
O professor Flávio Tartuce, citado na matéria, sintetiza bem esse receio ao afirmar que “não se arquiva um Código Civil sem debate”, referindo-se ao risco de substituir integralmente um diploma com pouco mais de duas décadas de vigência (o atual Código é de 2002), sem que haja a devida maturação social e jurisprudencial das normas. É preciso lembrar que, diferentemente de reformas setoriais ou atualizações pontuais, a reestruturação de um código civil exige não apenas técnica legislativa, mas também sensibilidade histórica, cultural e sociológica.
Além disso, o Código Civil não é apenas um conjunto de regras — é a materialização de uma visão de mundo, de uma concepção de pessoa, de família, de patrimônio, de sociedade. Modificar tais fundamentos exige um debate plural e democrático, que envolva não só juristas, mas também sociólogos, economistas, psicólogos e representantes da sociedade civil.
Não se trata, portanto, de um movimento de resistência conservadora à mudança, mas de zelo institucional pela segurança jurídica. Uma reforma apressada, sem amplo debate, pode gerar lacunas, contradições normativas e insegurança generalizada, com impactos negativos no Judiciário, nas relações econômicas e, sobretudo, na vida cotidiana das pessoas.
Concluo, assim, ressaltando que a reforma do Código Civil deve ser tratada com a mesma reverência que se dá à Constituição: com prudência, tempo e diálogo social. Afinal, como bem diz a matéria, o Código Civil regula todas as fases da existência humana. Não se reforma algo tão essencial com a ligeireza de um projeto ordinário de lei.
Referência: Valor Econômico – Entidades querem fatiar a reforma do atual Código Civil. Caderno Legislação & Tributos SP, edição de 22 de junho de 2025.